9- Fire Force: A Pirótécnica da Fé e A Vontade de Arder
(Um estudo aprofundado sobre a mediocridade narrativa e a romantização do ressentimento, porque, convenhamos, vocês não acharam que só de elogios vive o homem, né? Há um limite para quantas vezes dá para fingir que todo isekai genérico é apenas “diversão descompromissada” antes que a realidade bata na porta: estamos lidando com um subgênero saturado, preguiçoso e cada vez mais mergulhado em fantasias de poder ressentidas e tóxicas.
E poucas obras encapsulam tão bem esse problema quanto Tate no Yuusha no Nariagari, uma aberração ambulante que se vende como uma história de superação, mas que nada mais é do que um manual de autopiedade e rancor barato. Com um protagonista que se comporta como se o mundo inteiro existisse apenas para humilhá-lo (e, claro, para depois ser obrigado a beijar seus pés), um elenco de antagonistas unidimensionais feitos apenas para justificar sua amargura, e uma estrutura narrativa que confunde “crescimento” com “vingança passivo-agressiva”, essa obra se torna um verdadeiro estudo de caso sobre o que há de pior no isekai moderno.
Está na hora de descer ao fundo do poço do isekai genérico, mergulhar no esgoto das obras nipônicas e expor o fedor dessa história que insiste em se disfarçar de empoderamento. Então, segurem seus estômagos, porque a dissecação dessa desgraça vai começar.)
Tate no Yuusha no Nariagari (2019-presente) não é apenas mais um produto descartável da linha de montagem do isekai — é um compêndio das neuroses mais tóxicas do gênero, uma obra que transforma escapismo em apologia, fantasia em propaganda, e protagonismo em tirania. Enquanto grandes narrativas, como Hunter x Hunter, usam suas premissas para dissecar a complexidade humana, Tate no Yuusha opera como um manifesto reacionário, vestindo armadilhas ideológicas com a roupagem colorida de RPGs medievais. Sua premissa — Naofumi Iwatani, um jovem transportado para um mundo de fantasia onde é falsamente acusado de estupro e busca redenção através do poder — poderia ser um terreno fértil para explorar temas como injustiça, paranoia e reconstrução identitária. Em vez disso, a obra se afunda em um pântano de clichês moralmente rancorosos, onde a vingança é santificada, a escravidão é romantizada, e a misoginia é tratada como senso comum.
O gênero isekai, em sua essência, sempre foi um refúgio para fantasias de impotência: homens comuns, deslocados de suas realidades medíocres, tornam-se deuses em mundos onde suas inseguranças se convertem em superpoderes. Tate no Yuusha, porém, eleva essa dinâmica a um paradigma do ódio. Naofumi não é um herói acidental ou um idealista ingênuo — é um incel armado até os dentes, cujo trauma inicial (a falsa acusação de estupro) serve como licença poética para justificar todas as suas futuras atrocidades. A série não questiona seu protagonista; idolatra-o, transformando cada ato de desumanização em um troféu narrativo. Enquanto Gon Freecss, de Hunter x Hunter, paga um preço físico e moral por suas escolhas, Naofumi coleciona escravos, aliados e poderes como se fossem figurinhas de um álbum de vaidade, sem jamais enfrentar um momento genuíno de autocrítica.
O evento catalisador da trama — a acusação de estupro pela princesa Malty — não é apenas problemático; é perverso em sua execução. A série usa um trauma real e sistêmico (violência sexual) como ferramenta barata para gerar simpatia automática ao protagonista, ao mesmo tempo que desumaniza a vítima fictícia (Malty) como uma "mentirosa patológica". Essa dinâmica ecoa retóricas misóginas do mundo real, onde mulheres que denunciam abusos são retratadas como manipuladoras inatas. Enquanto Berserk explora o estupro como uma violência estrutural que destrói vítimas e algozes, Tate no Yuusha reduz o tema a um plot device para justificar a desconfiança do herói contra todas as mulheres — uma lógica que alimenta, não por acaso, fóruns de ódio e teorias incel.
Se há um momento que encapsula a podridão ética da obra, é a introdução de Raphtalia. A criança-escorravo comprada por Naofumi não é libertada; é doutrinada. Seu contrato de escravidão — um símbolo literal de propriedade humana — é retratado como um ritual de amor, onde as correntes são "justificadas" pela "proteção" do mestre. A mensagem é clara: a subjugação é aceitável se o opressor for "bondoso". Raphtalia não desenvolve agência; desenvolve Síndrome de Estocolmo narrativa. Sua "evolução" de vítima trêmula a guerreira leal é uma farsa: ela permanece emocionalmente acorrentada, defendendo seu dono com a devoção de um cão de guarda. Comparado a Killua Zoldyck, de Hunter x Hunter — que arranca literalmente uma agulha de controle mental para conquistar autonomia —, o arco de Raphtalia é uma ofensa à ideia de libertação.
O universo de Tate no Yuusha é pintado com as cores de um pamfleto reacionário. Os personagens dividem-se em categorias estanques:
Os Puros: Naofumi e seus subalternos, cujos crimes são sempre absolvidos pela narrativa.
Os Podres: Todos que o questionam, especialmente mulheres em posições de poder (a princesa Malty, a rainha Mirelia em suas primeiras aparições).
Não há espaço para ambiguidade ou redenção. Enquanto Hunter x Hunter humaniza até assassinos em massa como a Phantom Troupe, explorando suas lealdades e traumas, Tate no Yuusha reduz seus antagonistas a caricaturas de maldade — um reflexo da incapacidade da obra de lidar com complexidade.
Tate no Yuusha não é apenas uma série ruim — é um caso de estudo sobre como a cultura pop pode normalizar ideologias tóxicas sob o disfarce de entretenimento. Seu sucesso é um termômetro preocupante: revela um público ávido por narrativas que validem seu ressentimento, transformando opressão em heroísmo e crueldade em justiça poética. Enquanto obras como Hunter x Hunter desafiam o espectador a pensar, esta obra exige apenas que ele obedeça — ao protagonista, às hierarquias, ao status quo.
Na próxima seção, dissecaremos como a escravidão não é apenas um elemento de trama, mas a pedra angular da filosofia moral distorcida da obra — uma construção que não apenas reflete, mas celebra, as dinâmicas mais perversas do poder.
A introdução de Raphtalia — criança escravizada, comprada como mercadoria em um mercado de seres humanos — não é um mero arco narrativo em Tate no Yuusha. É a pedra angular de uma filosofia perversa que permeia a obra: a ideia de que a dominação é legítima se vestida de "necessidade" ou "afeto". A série não apenas normaliza a escravidão; erige-a como virtude, transformando correntes em colares e marcas de propriedade em medalhas de honra. Enquanto obras como Hunter x Hunter usam correntes metafóricas (como a agulha assassina de Killua) para explorar a luta pela autonomia, aqui, as correntes são literais, glorificadas, celebradas como ferramentas de "crescimento". Raphtalia não é libertada — é recrutada. Seu contrato de escravidão, longe de ser um dispositivo temporário de drama, é a base de seu relacionamento com Naofumi, um vínculo doentio que a narrativa insiste em retratar como "bondade recíproca". A mensagem é clara: alguns nascem para ser donos, outros para ser possuídos, e tudo está bem desde que o mestre seja "gentil".
A romantização da escravidão atinge seu ápice na cena em que Raphtalia, já adulta graças a um deus ex machina biológico (crescimento acelerado por "níveis"), agradece a Naofumi por tê-la comprado. Não há indignação, nenhum resquício de trauma — apenas gratidão servil, como se o ato de ser mercantilizada fosse um favor. A série ignora deliberadamente o peso histórico da escravidão, reduzindo-a a um mecanismo de poder conveniente. O símbolo da escravidão em seu corpo, longe de ser uma cicatriz vergonhosa, é tratado como um emblema de confiança, uma tatuagem que une mestre e servo em "harmonia". É uma distorção grotesca da realidade, onde a violência estrutural é repaginada como conexão emocional. Enquanto 12 Anos de Escravidão expõe o horror da perda de autonomia, Tate no Yuusha vende a fantasia de que ser propriedade é um privilégio — desde que seu dono seja o protagonista.
A dinâmica entre Naofumi e Raphtalia não é apenas moralmente repugnante; é tecnicamente preguiçosa. A obra utiliza a escravidão como um atalho narrativo para garantir lealdade absoluta sem precisar desenvolver relações humanas genuínas. Raphtalia não escolhe seguir Naofumi; é obrigada por um sistema mágico que a força a obedecer. Sua "evolução" de vítima a guerreira não é um ato de empoderamento, mas de substituição de grilhões: as correntes físicas são trocadas por correntes emocionais. Ela luta por Naofumi não por ideais, mas por dependência — uma relação que ecoa a lógica abusiva de "eu te machuco porque te amo". O crescimento acelerado de seu corpo, enquanto sua mente permanece infantilizada, é um fetiche perturbador: a obra sexualiza uma figura que, mentalmente, ainda é uma criança, criando uma ambiguidade nojenta entre proteção e posse.
A lógica colonialista aqui é tão óbvia quanto repulsiva. Naofumi, um estrangeiro (isekai), chega a um mundo "atrasado" e "salva" uma nativa (Raphtalia) através da dominação. Ele é o homem branco do imaginário japonês, carregando o fardo do colonizador que "civiliza" o selvagem através da opressão. Raphtalia, por sua vez, é a nobre selvagem: precisa ser controlada, moldada e "domesticada" para se tornar útil. A série não questiona essa dinâmica; endossa-a, sugerindo que alguns povos precisam ser guiados por mãos mais "fortes" (leia-se: japonesas). É uma fantasia imperialista disfarçada de aventura, onde o protagonista reproduz as mesmas estruturas de poder que, no mundo real, geraram genocídios e exploração.
Tecnicamente, a escravidão em Tate no Yuusha é um sistema narrativo falido. O "Contrato de Escravo" não tem consequências éticas ou dramáticas — é uma ferramenta cômoda para garantir subserviência sem conflito. Enquanto em Fullmetal Alchemist a escravidão de Envy é usada para criticar a desumanização, aqui ela é instrumentalizada para poupar o protagonista do trabalho de desenvolver carisma ou empatia. Naofumi nunca precisa conquistar lealdade; ele a compra, como quem adquire uma espada afiada. A magia que força obediência é um cheat code ético, uma forma de a narrativa evitar perguntas incômodas: "Por que alguém seguiria um homem amargo e vingativo?" A resposta da obra é simplória: "Porque ele obriga."
Comparado ao arco de Killua Zoldyck em Hunter x Hunter, onde a luta pela autonomia é visceral, dolorosa e cheia de recaídas, o tratamento de Tate no Yuusha é um insulto à inteligência emocional do espectador. Killua arranca uma agulha de controle de seu próprio cérebro, sangrando simbólica e literalmente pela liberdade. Raphtalia, em contraste, abraça suas correntes, beijando a mão que a chicoteia. A obra de Yoshihiro Togashi entende que libertação é um processo sangrento e incompleto; a de Aneko Yusagi (Tate no Yuusha) acredita que escravidão é só uma fase ruim antes do "final feliz".
Não bastasse a podridão temática, a série ainda falha em construir um mundo onde a escravidão faça sentido crítico. A prática não é apresentada como um mal social a ser combatido, mas como um recurso naturalizado, tão comum quanto lojas de poções ou masmorras. Nenhum personagem questiona sua existência; nenhum arco a desafia. É um cenário de RPG onde a ética foi deletada para dar espaço ao wish-fulfillment mais rasteiro. Enquanto The Witcher 3 constrói um mundo onde escravidão gera revolta e dilemas morais, Tate no Yuusha a usa como enfeite narrativo — um detalhe de mundo tão relevante quanto a cor das botas do protagonista.
Por fim, a infantilização de Raphtalia é a cereja do bolo tóxico. Sua transformação de criança para adulta não é acompanhada de maturidade emocional — ela permanece eternamente dependente, um soldado leal cuja única motivação é agradar ao mestre. Sua agência é um mito; suas escolhas, uma extensão das vontades de Naofumi. Até seu poder de luta é parasitário: ela se torna forte para ele, não por si mesma. É a antítese de personagens como Mikasa Ackerman (Attack on Titan), cuja lealdade é constantemente tensionada por conflitos internos e questionamentos éticos. Em Tate no Yuusha, a mensagem é clara: mulheres (e escravos) existem para servir, não para pensar.
Em resumo, o tratamento da escravidão em Tate no Yuusha não é apenas "problemático" — é um crime narrativo. É a glorificação de uma violência histórica, embalada como entretenimento para espectadores que preferem fantasiar sobre poder absoluto a refletir sobre responsabilidade. Enquanto a arte verdadeira nos força a confrontar nossos monstros interiores, esta obra nos dá uma licença para ser o monstro — e aplaudir enquanto ele devora tudo em seu caminho.
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| Essa cena é patetica!!!!!!!!! |
A arquitetura de personagens femininas em Tate no Yuusha é um exercício de misoginia tão primário que beira o cartoon. As mulheres não são seres complexos; são funções narrativas moldadas para servir a dois propósitos: validar o protagonista ou justificar sua paranoia. Malty, a princesa que acusa Naofumi de estupro, é menos uma personagem e mais um espantalho de todas as fantasias incel sobre "mulheres malignas". Sua vilania não tem raízes em trauma, ambição ou conflito interno — ela é má porque sim, um demônio de saias cuja única motivação é destruir homens inocentes. A série não se dá ao trabalho de humanizá-la; desumaniza-a, transformando-a em um saco de pancadas ético para que Naofumi possa golpear sem remorso. Cada mentira que ela profere, cada olhar traiçoeiro, é um alívio para o espectador: "Viu? Todas são assim". É uma lógica perversa que ecoa fóruns de ódio, onde mulheres são reduzidas a predadoras ou escravas, sem direito a nuances.
Enquanto obras como Game of Thrones (em seus melhores momentos) exploram a complexidade de personagens como Cersei Lannister — uma mulher cruel, mas profundamente motivada por seu amor distorcido pelos filhos e sua sede de poder —, Tate no Yuusha opta pelo caminho mais rasteiro. Malty não é Cersei; é um bode expiatório conveniente, uma figura plana cuja existência serve apenas para alimentar a narrativa de perseguição do herói. A falsa acusação de estupro, dispositivo central do enredo, é tratada com a delicadeza de um taco de beisebol. Em vez de explorar o trauma real das vítimas de violência sexual ou questionar as estruturas que permitem abusos, a série seqüestra o tema para gerar pena automática ao protagonista. Naofumi não é um sobrevivente de injustiça; é um mártir de mentira, cuja "redenção" depende da desumanização de todas as mulheres que o cercam. A mensagem é clara: elas são o perigo; ele, a vítima eterna.
Do outro lado do espectro misógino, temos Raphtalia, Filo e o harém em formação que cerca Naofumi. São as "boas", as submissas, cujo papel narrativo é absolver o protagonista de qualquer culpa. Raphtalia, a ex-escrava, é a esposa troféu não oficial: ela luta por ele, cura suas feridas emocionais e olha para ele com devoção canina. Filo, a garota-pássaro, é a filha troféu: uma criatura infantilizada que chama Naofumi de "pai" enquanto esmaga inimigos com uma força desproporcional. Nenhuma delas tem ambições próprias, traumas não resolvidos ou conflitos que não orbitem o universo do protagonista. Suas existências são satélites de Naofumi, corpos em movimento cuja única função é refletir sua grandeza. Até a rainha Mirelia, supostamente uma figura de autoridade, é reduzida a uma ferramenta de validação: ela existe para dizer ao espectador que Naofumi estava certo o tempo todo.
A falsa acusação de estupro — além de um crime narrativo — é a chave para entender a misoginia estrutural da obra. Ao usar um trauma real como plot device, a série não apenas banaliza a violência sexual, mas inverte a culpa. Malty não é uma vítima do sistema ou uma sobrevivente que busca justiça; é uma manipuladora nata, um ser que usa sua sexualidade como arma. Essa representação alimenta diretamente a retórica incel de que "mulheres mentem sobre estupro para destruir homens". Enquanto séries como 13 Reasons Why (apesar de seus problemas) tentam abordar o impacto devastador da violência sexual com algum respeito, Tate no Yuusha transforma o tema em arma de propaganda, sugerindo que a palavra de uma mulher é, por definição, suspeita.
Tecnicamente, a misoginia da obra se manifesta na preguiça de escrever personagens femininos. Raphtalia é uma boneca de ventríloquo: suas falas são ditadas pelas necessidades de Naofumi, não por sua própria agência. Filo, por sua vez, é uma loli com asas, uma figura que mistura fetichização infantil com poder combativo — uma combinação tão comum quanto repugnante em animes de qualidade duvidosa. A ausência de diálogos significativos entre mulheres (que não sejam sobre Naofumi) expõe a misoginia sistêmica da narrativa: elas não têm relações próprias, amizades ou conflitos que não envolvam o protagonista. Comparado a Fullmetal Alchemist, onde personagens como Winry Rockbell e Riza Hawkeye têm agência, motivações e relações complexas entre si, Tate no Yuusha parece uma obra escrita em um pântano ideológico, onde mulheres são ou obstáculos ou adereços.
A progressão de Naofumi de "vítima" a "herói" é construída sobre os cadáveres narrativos das mulheres que o cercam. Cada passo em sua "redenção" exige que uma mulher seja sacrificada: Malty, como bruxa a ser queimada; Raphtalia, como escudeira emocional; Filo, como mascote fofinha. A série não permite que elas transcendam seus papéis de servidão ou vilania; condena-as a uma existência unidimensional, onde seu valor é medido por sua utilidade ao protagonista. Até a magia do mundo reforça essa dinâmica: o "Sistema de Nível" que permite a Raphtalia crescer fisicamente não a liberta — a aprisiona em um corpo adulto antes que ela possa desenvolver autonomia mental, criando uma dissonância grotesca entre sua aparência e sua maturidade emocional. É um fetiche narrativo que borra as linhas entre proteção e predação, entre cuidado e controle.
Em última análise, Tate no Yuusha não é apenas misógino — é didaticamente misógino. Ele ensina a seus espectadores que mulheres devem ser temidas ou dominadas, que sua palavra é inerentemente duvidosa, e que sua maior virtude é a obediência. Enquanto obras como Mad Max: Fury Road celebram a resistência feminina e a complexidade de personagens como Furiosa, esta série afunda em um poço de ódio e simplismo. Suas mulheres não são pessoas; são sintomas de uma cultura narrativa que ainda vê o feminino como ameaça a ser neutralizada ou recurso a ser explorado. Naofumi pode carregar um escudo, mas a verdadeira arma da série é sua misoginia — afiada, venenosa e sempre apontada para o coração da dignidade feminina.
Naofumi Iwatani não é um anti-herói — é um sociopata com plot armor, um experimento narrativo que combina a profundidade ética de um tweet de ódio com a complexidade emocional de uma pedra. Sua jornada, vendida como um "arco de redenção", é na realidade um manual de gaslighting, onde cada atrocidade cometida é justificada por um passado de vitimização fabricado. Enquanto verdadeiros anti-heróis como Tony Soprano (The Sopranos) ou Walter White (Breaking Bad) enfrentam as consequências de suas ações e são desconstruídos pela narrativa, Naofumi é construído como um mártir, um deus menor cujo cinismo é tratado como sabedoria superior. A série não o desafia; idolatra-o, transformando trapaça, escravidão e manipulação em "ferramentas necessárias" — como se moralidade fosse um luxo para fracos.
A "vingança como direito divino" não é apenas um tema em Tate no Yuusha; é a lei narrativa. Naofumi compra uma criança como propriedade, extorque aldeões, sabota outros heróis e mente sem hesitar — mas a câmera insiste em enquadrá-lo como um underdog simpático. Quando os demais heróis (Ren, Itsuki, Motoyasu) questionam seus métodos, a obra os retrata como hipócritas incompetentes, como se a ética fosse um obstáculo para a eficiência. É uma lógica distópica: o protagonista pode quebrar todas as regras porque "o sistema é corrupto", mas sua corrupção pessoal é reclassificada como justiça prática. Enquanto em Attack on Titan Eren Yeager é condenado por seu extremismo mesmo quando "bem-intencionado", Naofumi recebe medalhas por seu egoísmo. A mensagem é clara: o fim justifica os meios, desde que você seja o narrador favorito.
O complexo de perseguição de Naofumi é tão denso que poderia colapsar em um buraco negro narrativo. A série constrói um universo inteiro contra ele — reis tramam, mulheres mentem, companheiros traem — mas nunca pausa para questionar: Por que todos o odeiam? A resposta está nas entrelinhas: Naofumi é intragável. Sua personalidade é uma sopa azeda de desconfiança, arrogância e autopiedade, características que a narrativa trata como "realismo" em vez de falhas. Enquanto um personagem como Sasuke Uchiha (Naruto) é constantemente desafiado por suas ações e crenças, Naofumi opera em uma bolha de impunidade. Sua paranoia não é um traço a ser superado; é uma virtude a ser admirada. É a fantasia suprema do incel: o mundo inteiro é mau, e eu sou o único justo.
A suposta "evolução" de Naofumi é uma farsa. Ele não amadurece; apodrece. No início, ele é um misantropo traumatizado; no final, é um misantropo com amigos. Continua escravizando (Raphtalia), manipulando (a rainha Mirelia) e desconfiando (de todas as mulheres), mas agora com um séquito de fãs que aplaudem suas ações. Comparado a Meruem (Hunter x Hunter), um tirano que genuinamente se transforma através do amor e da empatia, Naofumi permanece estagnado em um pântano de autojustificativas. Sua "redenção" se resume a trocar um capuz preto por uma armadura brilhante — a podridão interna continua a mesma. A série tenta vender isso como crescimento, mas é só maquiagem narrativa, um truque barato para manter o protagonista palatável enquanto ele continua a vomitar ódio.
Tecnicamente, a construção de Naofumi é um desastre de show, don't tell. A obra diz que ele é inteligente, mas suas "estratégias" se resumem a explorar falhas de sistema (como o escudo que absorve ataques) ou usar escravos como armas. Diz que ele é justo, mas ele rouba, mente e trapaceia sem hesitar. Diz que ele evoluiu, mas ele continua a tratar personagens femininas como propriedade. Enquanto em Death Note Light Yagami tem sua inteligência demonstrada através de planos complexos e sua queda é justificada por seu narcisismo, Naofumi é um fantoche cujas "vitórias" são entregues pela narrativa em bandejas de ouro. Seu poder não vem de habilidade ou crescimento, mas de cheat codes mágicos (o sistema de escudo, o crescimento acelerado de Raphtalia) que poupam a obra de desenvolver conflitos reais.
O sistema de poder da obra — baseado em níveis e habilidades — espelha a vacuidade ética do protagonista. Naofumi não aprende a ser mais forte; ele explora mecânicas de jogo como um speedrunner sem escrúpulos. Enquanto em Hunter x Hunter o Nen exige autoconhecimento e disciplina, aqui o "Escudo Sagrado" é um passe-livre para quebrar regras. Ele não enfrenta dilemas como Gon (que destrói seu corpo por poder) ou Killua (que supera traumas familiares); ele ganha poder através de atalhos narrativos. Sua ascensão não é meritocrática — é privilegiada, uma metáfora perfeita para o wish-fulfillment tóxico que alimenta a obra: a ideia de que você pode pisar em todos e ainda ser amado, desde que o roteiro diga que você é o herói.
A dualidade hipócrita da série atinge seu ápice na relação de Naofumi com Filo. Ele a trata como uma filha, mas a mantém como escrava. Ele diz odiar o sistema, mas usa o sistema de escravidão para controlá-la. Ele clama por justiça, mas nunca pune a si mesmo. É um ciclo de autoindulgência tóxica, onde o protagonista é simultaneamente juiz, júri e criminoso — e sempre sai impune. Enquanto The Boys expõe a hipocrisia de heróis que abusam de poder, Tate no Yuusha celebra essa hipocrisia como estilo de vida.
No fim, Naofumi é menos um personagem e mais um sintoma de uma cultura narrativa que confunde cinismo com maturidade e crueldade com força. Ele é o herói que ninguém precisa, mas que merecemos — um espelho embaçado de uma indústria que prefere alimentar ressentimentos a desafiar seu público. Enquanto obras como Berserk mostram que até os homens mais quebrados podem buscar redenção (e falhar, e tentar de novo), Tate no Yuusha ensina que redenção é desnecessária — basta ter um escudo mágico e um roteiro que lambe suas botas. Naofumi não é um herói. É um aviso: quando a arte para de questionar seus monstros, ela se torna cúmplice deles.
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| Incrível como todas as cenas desse anime são patéticas. |
O universo de Tate no Yuusha é um pesadelo feudal disfarçado de RPG, um lugar onde a injustiça não é um mal a ser combatido, mas a lei do jogo. Reis corruptos governam, escravos são mercadorias, e heróis são figuras messiânicas acima da crítica — um sistema que a narrativa não questiona, mas endossa. Enquanto Game of Thrones usa seu medievalismo para explorar a podridão do poder, esta obra o celebra como um playground para o protagonista exercer sua tirania pessoal. Não há revolução, apenas conformismo: Naofumi não derruba o sistema; ele subverte brevemente para se tornar seu novo rei, provando que o status quo só é ruim quando não o beneficia.
A justiça aqui é uma piada de mau gosto. Tribunais são substituídos por julgamentos de opinião pública, onde Naofumi é ao mesmo tempo advogado, juiz e carrasco. Quando ele expõe a princesa Malty, não há processo legal, apenas um espetáculo de humilhação — uma selvageria vendida como "justiça popular". É a lógica do linchamento digital aplicada a um mundo de espadas: a multidão aplaude, o herói sorri, e a ética morre em um canto. Enquanto Monster constrói dilemas morais sobre culpa e perdão, Tate no Yuusha reduz a justiça a um bloodsport, onde o vencedor é quem grita mais alto (ou tem o escudo mais brilhante).
A violência não é um meio, mas o fim. Batalhas são resolvidas não com estratégia ou diálogo, mas com números de nível e golpes especiais. O "Escudo Sagrado", supostamente um símbolo de proteção, é ironicamente a arma mais destrutiva — um paradoxo que expõe a incoerência da obra. Naofumi não defende; esmaga, transformando até sua suposta fraqueza em vantagem. É uma violência vazia, sem peso emocional ou consequências, onde inimigos são pilares de HP a serem derrubados, não pessoas com motivações. Comparado a outros animes como Attack on Titan, onde cada morte reverbera em traumas coletivos, aqui a carnificina é ornamental, um show de luzes para distrair da falta de substância.
O worldbuilding é um amontoado de clichês preguiçosos: lojas de itens genéricas, masmorras sem história, reinos sem cultura ou identidade. A escravidão existe porque "sempre existiu", a monarquia é corrupta porque "reis são maus", e os demais heróis são incompetentes porque... bem, o roteiro precisa de vilões. É um cenário que não ousa questionar suas próprias premissas, preferindo repetir fórmulas de RPG como um papagaio bêbado. Até o sistema de níveis, que poderia ser uma metáfora para mobilidade social, é reduzido a uma escada para Naofumi subir — mais um degrau, mais um direito de pisar nos outros.
Nesse mundo, até a magia é conservadora. O "Sistema de Heróis" não é uma força a ser desafiada, mas um dogma: escolhidos são intocáveis, destinados a liderar, nunca a servir. Quando Naofumi ganha poder, ele não redistribui; acumula, replicando as estruturas que supostamente o oprimiam. É a velha máxima reacionária: "Mudar tudo para que nada mude". Enquanto Fullmetal Alchemist questiona o preço do poder e a ética da alquimia, aqui o poder é um brinquedo para o protagonista, e a ética, um estorvo.
Em resumo, o mundo de Tate no Yuusha não é um cenário — é um manifesto. Um lugar onde hierarquias são imutáveis, a violência é glorificada, e a justiça é uma ferramenta de vingança pessoal. Não há esperança de mudança, apenas a certeza de que alguns nasceram para governar, e outros, para ser governados. É uma fantasia tão perigosa quanto tediosa: um canto de sereia para quem acredita que o mundo só é injusto quando não estão no comando.
Tate no Yuusha não é apenas moralmente questionável — é tecnicamente preguiçoso, uma obra que confunde Ctrl+C e Ctrl+V com worldbuilding. Seus personagens são esboços ambulantes: Filo, a garota-pássaro, é um aglomerado de clichês com asas, uma mistura de fofura artificial e obediência robótica que faria até Pikachu corar de vergonha. Ela não tem motivações, medos ou desejos além de servir de animal de estimação glorificado para Naofumi. O Rei, por sua vez, é um vilão de filme B, um tirano que rosna ameaças em câmera lenta enquanto segura um cetro genérico. Sua maldade não tem camadas — é uma parede de tinta preta sem textura, um obstáculo narrativo tão complexo quanto um quebra-cabeça de uma peça.
A progressão de poder é uma piada sem graça. Naofumi enfrenta ameaças cósmicas com a mesma estratégia de um jogador que descobriu um glitch: o escudo absorve ataques, os níveis sobem magicamente, e os inimigos viram pó com a dramaticidade de um tutorial de RPG Maker. Não há risco, não há sacrifício — só conveniência narrativa. Enquanto em Hunter x Hunter cada uso do Nen exige custos físicos e emocionais (Gon envelhece, Kurapika sangra), aqui o "Sistema de Nível" é um elevador automático para o protagonista, onde mérito é substituído por cheat codes. A tensão é inexistente; sabe-se que Naofumi vencerá não por habilidade, mas porque o roteiro precisa que ele vença.
O worldbuilding é um Frankenstein de clichês roubados. Elfos? Check. Lojas de itens com NPCs sem rosto? Check. Masmorras que parecem copiadas de um manual de D&D de 1990? Check. Não há história cultural, mitos originais ou conflitos sociais além do "rei mau vs. herói bonzinho". O mundo é um cenário de plástico, um palco vazio onde os mesmos arquétipos de RPG se repetem como zumbis cansados. Até a escravidão, que poderia gerar um mínimo de crítica social, é tratada como decoração — tão normal quanto tavernas e cavalos. Comparado ao universo de Made in Abyss, onde cada camada do abismo tem regras, perigos e história próprios, Tate no Yuusha parece um mapa desenhado por uma criança com lápis quebrado.
O sistema de poderes é o ápice da criatividade morta. Enquanto o Nen de Hunter x Hunter é um sistema orgânico que reflete a psicologia dos usuários (Hisoka usa elasticidade para brincar com vítimas, Killua canaliza eletricidade como trauma), o "Escudo Sagrado" de Naofumi é um poder de plot armor. Ele não evolui através de treinamento ou autoconhecimento — ganha habilidades novas quando o roteiro está encurralado. A série nem tenta explicar a lógica por trás disso; é magia, aceite. Até os "poderes únicos" dos outros heróis são piadas prontas: uma espada, uma lança, um arco — originalidade zero, entusiasmo zero.
A direção de arte e animação seguem a mesma lógica medíocre. Batalhas são coreografadas com a energia de um screensaver: golpes brilhantes, explosões sem impacto, inimigos que parecem reciclados de episódios anteriores. Não há peso, não há sujeira, não há sangue real — só pixels dançando para esconder a falta de orçamento. Enquanto Hajime no Ippo eleva a violência a uma arte quase poética, aqui a violência é fast food: rápida, gordurosa e esquecível, como todo o restante do anime quando não está cometendo 213298 crimes.
Em resumo, Tate no Yuusha é a prova viva de que o isekai pode ser tão mecânico quanto uma linha de montagem de carros usados. Personagens de papelão, sistemas de poder quebrados, um mundo que parece ter sido gerado por IA treinada em fóruns de RPG — tudo isso embalado em uma animação que faz SAO parecer obra-prima kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. É um jogo sem desafio, onde o jogador já começa com todos os códigos de vitória ativados. E o pior? Tem gente que aplaude.
Tate no Yuusha no Nariagari não é uma obra. É um cadáver narrativo em decomposição, um amontoado de clichês tóxicos que exala o fedor da misoginia, da apologia à escravidão e do niilismo ético disfarçado de "realismo sombrio". Seu sucesso não é um acidente da indústria de anime — é um diagnóstico terminal de uma cultura que trocou a complexidade pelo conformismo, a crítica pelo consolo vazio, e a humanidade por um simulacro de heroísmo banhado em ódio. Enquanto obras como Hunter x Hunter ou Berserk usam a fantasia para nos confrontar com os abismos da condição humana, esta série os celebra como parques de diversões para sociopatas emocionais.
A escravidão de Raphtalia, longe de ser um "erro de percurso", é a alegoria definitiva do projeto ideológico da obra: a normalização da dominação como virtude. Cada grilhão que a aprisiona, cada olhar submisso que ela dirige a Naofumi, é um manual não escrito para espectadores que desejam poder sem responsabilidade, amor sem vulnerabilidade, e lealdade sem ética. Raphtalia não é uma personagem — é um escravo narrativo, uma ferramenta que a obra usa para sussurrar ao público: "Veja? Até as vítimas concordam que serem possuídas é melhor que serem livres". É uma mensagem que ecoa discursos colonialistas, regimes autoritários e relacionamentos abusivos, disfarçada de "desenvolvimento emocional".
A misoginia, por sua vez, não é um detalhe — é a espinha dorsal da narrativa. Malty, a princesa mentirosa, é menos uma vilã e mais um espantalho misógino, uma caricatura que justifica a desconfiança do protagonista (e do espectador) contra qualquer mulher que ouse existir fora do binário "santa ou puta". Enquanto Revolutionary Girl Utena desmonta gênero e poder com a precisão de um cirurgião, Tate no Yuusha os reduz a uma piada de mau gosto: mulheres são inimigas a serem derrotadas ou troféus a serem coletados. Até a transformação de Raphtalia em adulta — um corpo sexualizado com a mente de uma criança — é um fetiche que borra as linhas entre proteção e predação, entre cuidado e posse. É a lógica do estupro cultural: invada, domine, e chame isso de "amor".
Naofumi Iwatani, o "herói" que nunca cometeu nenhum ato de heroísmo, é o símbolo máximo dessa necrose moral. Ele não evolui; metastatiza. Sua jornada é uma escalada de atrocidades justificadas por um passado de vitimização fabricado, uma espiral de cinismo que a narrativa trata não como tragédia, mas como manual de instruções. Ele é o incel empoderado, o homem que transforma ressentimento em arma e solidão em licença para oprimir. Enquanto Walter White (Breaking Bad) é destruído por suas escolhas e Light Yagami (Death Note) é consumido por sua megalomania, Naofumi é recompensado: ganha aliados, poder e até uma falsa redenção, sem jamais enfrentar um segundo de autocrítica. Ele é o herói que a era dos fóruns de ódio merece: um espelho sujo que reflete o rosto de uma geração que confunde crueldade com força e desconfiança com sabedoria.
O mundo de Tate no Yuusha — um RPG genérico onde reinos não têm história, a escravidão não tem resistência e a violência não tem consequência — é um palco vazio para essa fantasia de poder. Não há cultura, não há dilemas, não há vida. Tudo existe para servir ao protagonista: os NPCs são móveis, as mulheres são recursos, e os vilões são piadas prontas para serem derrotadas. É um universo que não questiona suas próprias regras, porque questionar exigiria imaginação — algo que a obra troca por fórmulas preguiçosas e power-ups sem custo. Enquanto Made in Abyss constrói um mundo tão rico quanto aterrador, onde cada camada do abismo é um convite à maravilha e ao horror, aqui tudo é plano, previsível, morto.
A indústria que produz e consome Tate no Yuusha não está apenas entretendo — está normalizando. Cada temporada, cada light novel, cada merchandise vendido é um passo na banalização da escravidão, na romantização do abuso e na glorificação do cinismo. É um ciclo vicioso: o espectador, faminto por validação de suas piores inclinações, consome o veneno; a indústria, faminta por lucro, refina o veneno em doses mais potentes. O resultado é uma cultura pop que não mais reflete ou desafia — parasita, transformando traumas reais em entretenimento e ódio em heroísmo.
Tate no Yuusha é o triunfo da ética do estuprador — "Não é violência se eles gostarem" — aplicada à narrativa. E no final, muitos aplaudem, porque aprenderam a amar as próprias correntes.
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